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sábado, 7 de junho de 2014

As várias mortes de um Ator

Sempre achei um previlégio essa arte de ser ator. Poder dar vida a vários personagens. Dia desses estava assistindo a um filme mexicano, e me surpreendo que no final, a protagonista morre, assim, do nada, sem aviso prévio. Foi uma pegadinha do roteiro do filme. Quando você acha que tudo vai bem, que todas as relações familiares finalmente se encaixaram, e que as pessoas merecem sim, ser felizes...Deus ( o roteirista), resolve matar aquela pessoa que você tanto aprendeu a amar. Mas a vida é assim também, nos pega sempre de surpresa. Voltando ao Ator: somente ele, e mais ninguém, pode antecipar a sensação da morte. Poder morrer em seus vários personagens, experimentar o fim de sua existência. De onde o Ator tira essa memória emotiva, esse background que faça com que ele experimente simplesmente acabar com tudo? Será que basta prender a respiração? Fechar os olhos? Sentir dôr? Dar tremeliques com o corpo? Pois é assim que normalmente eu vejo nos filmes quando algum personagem morre. Nesse filme mexicano em questão, a personagem simplesmente, do nada, perde suas forças, abaixa o braço e fecha os olhos. Fico imaginando o Diretor falando antes da cena: "Quando você olhar o horizonte, olhar para aquele sol, feche os seus olhos e morra." Ou ele poderia dizer também: " Você está abraçado à pessoa que você mais ama nesse mundo. Você vai olhar para ele, vai se lembrar de um momento maravilhoso que você compartilhou com ele. Vai olhar para o horizonte e vai pensar : "Eu fui feliz. Estou pronto para seguir meu caminho de luz.". Fiz uma reflexão sobre todos os roteiros e filmes que escrevi e dirigi, e qual não foi a minha surpresa ao constatar que, inconscientemente, o tema da "morte" está presente em todas as obras. Em maior e menor grau mas a ausência de uma pessoa na vida de outra é uma constante em tudo o que crio. Será isso uma terapia para mim mesmo? Para eu aprender a me despedir das pessoas que amo? Não sei explicar. Mas os meus personagens, através das performances incríveis dos atores que lhe deram vida, sofreram essa consequência da morte de alguém muito próximo. Não sou sádico a ponto de querer que todos os meus personagens experimentem a morte. Mas quem sabe, eu queira explorar o talento de algum ator? Rir é fácil, chorar é fácil, ficar triste é fácil. Assim comecei essa crônica de hoje: Como pedir para algum ator interpretar o fim de sua existência? Sem ser mecânico, fechando apenas os olhos e parando de respirar e mexer o corpo? Em "Pietro", o personagem, um senhor aposentado, vive sozinho com o seu cachorro. Todas as suas atividades são acompanhadas pelo amigo inseparável. Até que o cachorro morre, dormindo. Na minha linguagem cinematográfica, até a morte do cachorro, eu não via o rosto do Ator. Era sempre desfocado. sem rosto. O foco era no cachorro. A primeira vez que vemos no filme o close do ator em sua plenitude, é quando ele reage à morte do cachorro. Esse foi o momento mais emocionante para mim na filmagem, e o de maior desafio para dirigir o ator. Pedi ao Personagem para pensar que a sua vida a partir daquele momento perdeu a razão de existir. Ele não tinha mais ninguém, e o seu único companheiro se foi. Não tinha mais a quem dar comida, a quem dar banho. Sua motivação para ir para a rua era passear com o bicho. Sem essas atividades, e sem ter a quem compartilhar o seu amor, de que vale a pena viver? Foi muito melhor do que simplesmente dizer ao ator: "Você está sofrendo muito". Para um outro ator de um outro filme , eu disse, entre outras coisas: "Pense em todas as pessoas que você está deixando. Pense em todos os projetos de vida que você não irá cumprir. Pense na família que você não irá formar. Pense nas cosias que você quer fazer na vida e não poderá mais fazer. Aquela viagem que você armou para Londres. E principalmente, pense na sua mãe, que você jamais dirá a ela o quanto você a ama". Isso porquê o personagem encontrava uma morte inesperada, e ele não queria morrer. Li no livro de Fátima Toledo, onde ela relata historias de bastidores dos filmes em que trabalhou, uma relação muito interessante dela com uma atriz. No filme "A casa de Alice", ela tinha que preparar a atriz Bertha Zemmel. A personagem era uma senhora que morava com sua filha, seu genro, e seus 3 netos. Todos problemáticos e sem comunicação um com o outro. A personagem da Bertha se sentia uma velha deslocada, e não tinha mais razão para viver. Fátima sentia que a a atriz não chegava na emoção certa. Até que resolveu ir mais na fundo na alma da personagem. Chegou para a atriz e disse, de uma forma categórica, que ela ja tinha idade e que não iria viver mais tanto tempo. A atriz entendeu, e sofreu. Mas disse jamais querer passar por esse processo do Método, porquê ela ficou muito mal com essa experiência. Cada Ator deve entender a sua forma de chegar em uma sensação. Descobrir o seu método. Podemos aceitar melhor a morte quando temos certeza de que, como Artistas, estamos deixando um legado de amor e coisas que fizemos em vida que trouxe felicidade para as pessoas, seja através de experiência que passamos adiante ou de frutos do nosso trabalho. ARRASA!

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